terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Desprovida - Parte IV

Duas semanas, e ele não dera sinal de vida. Ela ansiava por vê-lo, mas não se atrevia a procurá-lo. O pai não comentava sobre o trabalho em casa e ela não ousaria perguntar. Talvez ele tivesse ido embora. Depois daquela tarde em que ele a viu cantando ela não mais conseguiu parar de pensar. A cena se repetia mil vezes em sua cabeça. Foram não mais que 5 minutos de conversa que a deixavam extasiada só de lembrar.
Êxtase, ansiedade, sentimentos complexos demais, confusos demais, ela até sentia náuseas. Estranho como não uma pessoa, mas apenas o fato de saber que ela existe pode trazer tanta inquietude num coração habituado a ser quieto.
Agora ela não era mais tão desprovida de vaidade, sempre na ânsia de vê-lo se arrumava um pouco melhor, passava perfume e o batom quase sem cor. Esperava que um dia ele fosse voltar a sua casa, nem que fosse pra falar com seu pai. Ou talvez não, talvez a conversa não houvesse tido o mesmo significado pra ele.
O pai pediu que ela levasse seu almoço até a marcenaria, com o coração inquieto na hora combinada ela saiu de bicicleta. O caminho não era longo, porém o sol a deixou tonta. Ao passar próximo ao roseiral da cidade, o cheiro lhe deu a sensação de estar distante. Ela abriu os braços. Chegou a escorrer uma lágrima de emoção, o doce cheiro, o vento nos cabelos. Liberdade. Sentida e não compreendida.
Se ele estivesse trabalhando com pai por certo estaria lá. Ao chegar ao galpão sentia seu rosto queimando, o coração acelerado. Tentando se recompor ela caminhou com passos lentos.
- Pai?
- Oi filha, entre. – disse ele saindo de um corredor de madeiras.
- Trouxe o almoço. – disse ela olhando em volta na esperança de ver Fernando.
- Obrigado!
- Pai o senhor não acha que precisa de um ajudante?
- Sim, eu contratei um.
- É? Eu conheço? – o coração ia saltar pela boca.
- Obrigado filha por sua preocupação e pelo almoço, agora vá pra casa. – ele havia ficado mais sério que de costume.
- Está bem, até mais tarde.

Ela saiu decepcionada, e seguiu seu caminho distraída com seus pensamentos. Quando passou novamente pelo roseiral, não sentiu a sensação de liberdade, não sentiu nada. Estava voltando ao normal.
Surgiu do seu lado direito uma flor vermelha, ela quase caiu da bicicleta, tamanho o susto.
- Desculpe, não achei que fosse se assustar.
Era Fernando, seus olhos se encontraram por um momento e Cecília pensou que fosse desmaiar. A alegria em seu coração foi tamanha que ela perdeu as palavras. A alegria tem dessas, envolve tanto a gente que nos deixa meio que parados no tempo. Talvez porque os momentos de alegria sejam tão raros que paralisamos um momento para quem sabe, aproveitar um pouco mais.
- Cecília desculpe. – ele agora parecia preocupado.
- Tudo bem.
- Estou trabalhando com seu pai, e aproveitei meu horário de almoço pra cochilar um pouco aqui no roseiral porque aqui é bem silencioso. Exceto por hoje.
- O que houve hoje?
- Estava dormindo quando ouvi um barulho de uma bicicleta se aproximando, olhei e era você.
- Desculpe eu não te vi.
- Eu sei, você estava linda com os braços abertos.
Parecia que seu mundo de repente havia tomado outra tonalidade. Linda. Ela nunca fora chamada de linda, nunca elogiada. Muitas vezes sentia como se nem existisse.
- Preciso ir
- Ainda tenho alguns minutos de almoço, me faz companhia?
- Faço. – e pensou “Porque disse faço? Que loucura...”
Ela não sabia o que dizer, ou como agir. Caminharam sem conversar, ela observava o cenário a sua volta. Seria perfeito se ele tivesse algum interesse por ela. As rosas espalhavam um aroma profundo, o céu estava claro e sem nuvens, o caminho que se estreitava fez com que os braços se tocassem por um breve instante. Ela não sabia o que pensar. Ele agora parecia distante, sério. Ele a chamou de linda, mas agora não a olhava. Porque ele a deixava tão confusa.
O silêncio começou a incomodar, e ela pensou em voltar pra casa, quando ele segurou em sua mão. Ela nunca antes sentiu aquilo, um toque de carinho.
- Eu não queria te afetar com meu jeito, te fazer mal sabe?
- Mas não faz.
- Entenda Cecília, eu não sei ser bom.
- Comigo você está sendo.
- Só não sei até quando.
Ela sentiu uma amargura na voz dele, teve um mau pressentimento. Em sua mente confusa pensou em correr. Estava virando quando ele a tomou nos braços e a beijou. Um beijo profundo, intenso. Dizem que os beijos dão a impressão de que se está voando. Não para ela, aquele beijo lhe deu um toque de humanidade, a aproximou do mundo real.
Quando o beijo acabou, Cecília pensou que iria voar. Fernando não acostumado com pessoas tão sensíveis ficou sem reação. O melhor beijo é aquele que não esperamos, mas quando acontece, a gente sente que esperou por ele a vida toda.
- Agora preciso ir – disse ela sentindo-se queimar de vergonha.
- Desculpe, eu não quis te ofender.
- Não ofendeu.
- Então não vá.
Cecília não sabia o que fazer e sem conseguir pensar viu que fugir era sua única opção. Correu, pegou a bicicleta, mas antes olhou pra trás e viu que Fernando estava parado no mesmo lugar. Sentiu uma vontade de voltar e abraçá-lo, mas não tinha coragem pra isso.
- Cecília – ele gritou
- Sim.
- Te espero as nove no seu balanço.
Ela não conseguiu responder, apenas saiu rapidamente e voltou pra casa.

Ao chegar em casa ainda sentia seu coração acelerado. Sentou–se na janela na esperança de voltar a sua habitual paz. Agora era uma coisa antiga em sua vida, passado. Como aquele menino a deixava angustiada e alegre ao mesmo tempo? Como uma pessoa que mal conhecemos pode alterar nossa rotina?

2 comentários:

  1. Oi claudinha, é nem sei o que dizer...
    Seu talento é explendoroso..
    Eu sei como uma pessoa que mal conhecemos pode alterar nossa rotina!
    - É quando o amor começa a nascer!
    É impossivel não abalar a rotina, não é por que não queremos, e sim por que é a rotina do amor, abalar a nossa =).
    Bjo Te adoro!

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Olá,
Obrigado por ler e comentar!
Beijos!