sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Desprovida - Parte II

Naquela tarde o pai disse que no dia seguinte iria para a cidade vizinha visitar um parente. Naquela tarde ela se sentiu feliz sem motivo. Ficaria sozinha um dia inteiro e poderia fazer o que quisesse. O dilema era saber o que queria fazer.
Logo pela manhã ficou na janela observando o pai se distanciar, seus olhos se encheram de lágrimas, e ela não entendeu por que. Permitiu-se chorar por alguns minutos, um choro sem dor, apenas chorou e quando acabou sentiu alivio e vontade de sorrir.
Correu para o quarto que um dia pertenceu a sua mãe, e lá ficou a observar todas as coisas. Abriu o imenso guarda-roupa e entre inúmeras peças achou um lindo vestido cor de rosa, todo em algodão, com um delicado laço de seda na cintura. Era um vestido simples, que aos seus olhos era o vestido mais luxuoso do mundo.
Pela primeira vez na vida ela teve vontade de se arrumar. Tomou um demorado banho, lavando demoradamente os cabelos amarelos e quando saiu do banho se sentiu outra pessoa. O vestido pareceu ter sido feito sob encomenda, lhe serviu como uma luva. Depois de abrir novamente todos os frascos de perfume, encontrou um do seu agrado, uma essência doce e suave. Abriu as gavetas, mas não sabia como usar as maquiagens, pensou em seu pai, ele a mataria. Mas ele estava longe e parecia que ela estivera morta desde que nasceu.
Depois de muito olhar perdida para a imensidão de cores viu que a única coisa que saberia usar era um batom, mas vermelho não, vermelho não parecia certo. Ela passou um batom rosa que de tanto tempo guardado não obteve o resultado esperado, imitando as garotas da escola beliscou as bochechas para que ficassem coradas. Olhando-se no espelho grande ficou um pouco mais satisfeita, agora ao menos tinha um pouco de cor.
Preparou uma pequena refeição, comeu, sentou-se na janela, entediou-se. Já estava no meio da tarde e depois de muito pensar percebeu que não tinha nada para fazer. O dia estava quente e decidiu ir a praça tomar um sorvete. Ao caminhar pelas ruas percebeu que as pessoas cochichavam e sentia suas bochechas arderem de vergonha. Estava decidida a voltar quando ouviu:
- Cecília, é você?
Virou-se lentamente como um bicho amedrontado e sentiu alivio ao ver que era apenas Ana, uma colega de classe do colégio.
- Oi Ana sou eu sim. Tudo bem? – disse ela com a timidez.
- Eu to bem e você pelo jeito esta ótima – Ana tinha a mesma voz estridente que Cecília lembrava. – o que aconteceu nunca te vi tão arrumada?
- Nada Ana. – disse ela quase num sussurro.
- Bem seja lá o que for te fez bem, está menos caipira agora. - Ana ficou olhando e como não obteve resposta prosseguiu. - Vamos nos sentar ali na pracinha com as outras garotas, ouvir as últimas novidades.
Cecília se deixou conduzir, não conseguia imaginar que novidades poderiam ter pra contar. Sentou-se num dos bancos e ouviu diversos comentários inconvenientes sobre seu visual, até que a atenção foi desviada, ela se sentia perdida no falatório, mas logo percebeu do que elas estavam falando.
Um rapaz acabara de se sentar em dos bancos acompanhado por um velho morador. Mesmo no calor ele estava com uma jaqueta preta, uma mochila nas costas, calças largas e um estranho modo de se sentar. Essa sim era uma novidade, o rapaz nunca tinha sido visto na cidade e arrancou diversos suspiros das meninas. Cecília não conseguia desviar o olhar, ele era muito diferente de todos os rapazes que já havia visto.
- Nossa quem é esse com o seu Jeremias? – disse Ana com a voz mais fina ainda.
- Novo na cidade sem sombra de dúvidas - respondeu uma das garotas.
- Precisamos nos apresentar, somos um povo hospitaleiro – disse Ana com risinhos insinuantes.
- Quem se atreveria? – perguntou a outra.
- Cecília você poderia fazer o favor de chamar aquele rapaz? – disse Ana com os olhos brilhantes.
- Eu? – quase berrou Cecília.
- Claro, você, é obvio que ele não vai querer nada com você mesmo, então não tem que se preocupar querida, apenas vá até lá e diga que sua amiga quer falar com ele.
Cecília ficou tão desestruturada com o comentário que não conseguiu responder, levantou-se e foi. O rapaz notando que a moça se aproximava parou de conversar com o velho e ficou encarando com uma expressão pouco amigável. Ela quase perdeu as forças naquela hora, mas seguiu, ainda pensou em correr, mas percebeu que ficaria com mais cara de idiota ainda se fizesse isso, então continuou. Quando estava quase chegando ouviu um grito que a fez tremer dos pés a cabeça:
- Cecília!
Ela virou-se e viu pai do outro lado da praça com o rosto vermelho como se fosse explodir. As meninas que antes conversavam com ela estavam rindo alto, o rapaz continuou encarando, e todos os demais que ali se encontravam olhavam pra ela. Correr agora parecia uma boa idéia e foi o que ela fez. Correu pra casa e bateu a porta, nunca havia sentido tantos sentimentos misturados, vergonha, medo. Não conseguia conter as lágrimas mesmo sabendo que se o pai a visse chorando ficaria ainda mais irritado, ele odiava choro.
Ele entrou como um furacão seu rosto estava vermelho, seu peito inflava, pois ele parecia ter dificuldade de respirar:
- Você quer me desmoralizar é isso?
Ela não conseguia responder estava soluçando.
- Responda... Responda agora... – ele a ergueu pelos cabelos e a olhou nos olhos. – Eu estou falando com você...
Mas por mais que tentasse, ela não conseguia falar, estava assustada, estava com medo, nunca tinha visto o pai daquele jeito. Ele ergueu a mão e ela estremeceu e gritou:
- Pai me perdoa, por favor.
Ele paralisou por um instante, a soltou e caminhou com passos fortes em direção ao quarto que um dia pertenceu á sua esposa. A porta bateu com força e ela pode ouvir o barulho de um abajur indo ao chão. Correu ate a porta encostou o ouvido e ouviu o pai respirando pesadamente e sussurrando palavras que ela não podia entender:
- Pai abre a porta. – ela gritou – nós precisamos conversar.
- Saia daqui, eu preciso ficar sozinho, depois agente conversa - disse ele abrindo a porta, pela primeira vez ela o viu chorando e ficou sem reação, ele voltou a fechar a porta e ela saiu.
Sentou-se nos fundos da casa e tentou chorar, mas as lágrimas haviam secado então ela ficou em silêncio.
O sol já estava se pondo e rua estava deserta, ela caminhou até o velho parquinho nos fundos da praça de cabeça baixa, foi em direção ao balanço e só quando chegou bem perto notou que havia alguém ali e quando ergueu os olhos o reconheceu pelo jeito e se não fosse por isso a jaqueta escura o teria denunciado. Parou sem saber o que fazer, ele soltou à fumaça do cigarro e ficou apenas olhando.
- Desculpe. – disse ela já se retirando.
- Calma moça, não vá correr novamente. – disse ele com uma voz que quebrava seu estilo mal encarado.
- Não ia correr, só não quero atrapalhar.
- Você ia falar comigo essa tarde?
- Desculpe foi um erro, aquela garota me fez ir ate você e...
- Algum problema com seu pai? Ele é seu pai né?
- Sim é meu pai, ele esta zangado, muito zangado, mas depois iremos conversar...
- Já cheguei criando problemas... – disse ele sorrindo ironicamente.
- A culpa não foi sua, foi uma bobagem. – disse ela se sentindo envergonhada.
- A culpa é sempre minha e eu já me acostumei com isso.
- Estranho!
- Não é estranho é a realidade
- Você é confuso.
- A vida é confusa.
- A minha nunca foi.
Ele se levantou do balanço jogou o resto de cigarro no chão, se aproximou dela e a olhando nos olhos disse:
- Então é melhor ficar longe de mim!
Ela se sentiu corar, ele desviou dela e foi caminhando.
- Porque eu me aproximaria? – disse quase sem coragem.
- Vocês tolas menininhas de interior, ficam parecendo bonecas sentadas na rua observando seus futuros maridos e quando avistam um recém chegado na cidade logo se empolgam, mas eu já lhe aviso que não tenho interesse. – ele parecia nervoso, pela voz parecia que estava chorando, e estava, o que ela não viu porque ele se manteve de costas.
- E eu já lhe aviso que não sou assim. – disse ela usando toda a rispidez que continha em seu ser.
- Não foi o que eu vi essa tarde. – disse ele com ar de deboche continuando a caminhar.
Ela ficou sem resposta e por mais que quisesse se explicar, já seria tarde porque ele já havia sumido do seu campo de visão. Ela ficou furiosa, que rapaz mais ousado, arrogante.
Sentou-se em seu balanço, mas não conseguiu relaxar, ele a havia deixado inquieta, seu coração batia descompassado e no silêncio ela podia ouvi-lo. Estava com raiva e esse era um sentimento que até então ela não conhecia. Sempre fora daquelas pessoas que passam despercebidas, era um fantasma na vida, simplesmente passava e observava. Agora se sentia viva, aquela sensação de raiva era boa, ela não conseguia explicar porque, mas começou a sorrir.

2 comentários:

  1. Caramba! Eu achei esse texto muito, muito legal. A continuação ficou perfeita. Deu para identificar bem a Cecília com um amigo meu... =]

    Ficou muito profundo! Continue assim! =D

    Beijo. =***

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  2. Cláudia, vc escreve de uma maneira tão gostosa...

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Olá,
Obrigado por ler e comentar!
Beijos!