quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Desprovida - Parte III


Ela voltou pra casa ainda com o coração descompassado, nunca imaginou que teria medo de entrar em casa, mas ao ver que o pai estava na janela sentiu o corpo tremer. Nunca havia apanhado do pai, mas agora tinha certeza que iria levar uma surra.
Abriu a porta e surpreendeu-se com a voz tranquila do pai:
- Já estava preocupado.
- Pai eu só queria...
Ele a interrompeu levantando-se e a conduzindo pelo corredor
- Eu não quero mais falar nesse assunto está bem? Agora vá descansar, tivemos um péssimo dia.
- Na verdade eu queria...
Ele novamente a interrompeu, parecia exausto, seus olhos estavam inchados, e mesmo com toda a altura que tinha parecia um homem fragilizado.
- Filha, acho que agi mal, mas a partir de hoje o quarto de sua mãe é seu.
- Meu?
- Acho que ela gostaria que eu fizesse isso.
- Pai eu nem tenho como agradecer...
- Agradeça não me decepcionando como fez essa tarde.
- Fique tranqüilo eu...
- Boa noite.
Ele estava triste, mas a alegria que ela sentia a impediu de ver isso. Ela estava radiante e isso era algo inédito.

Correu para o seu novo quarto e se surpreendeu ao entrar, o pai havia arrumado tudo, trocado cortinas e lençóis, tirado a poeira. Ela ficou maravilhada e naquela noite dormiu profundamente, nunca havia dormido numa cama tão grande e tão macia. Naquela noite sonhou e quando acordou parecia que ainda estava sonhando, sonhou que o moço novo na cidade a havia beijado e foi bom, ela ainda não sabia como era beijar, mas nos sonhos tudo é possível.
Olhou no relógio e viu que já eram dez horas, o pai viria ao meio dia para almoçar e ela ainda não havia preparado nada. Como pode dormir tanto? Levantou-se apressada e viu um papel colado no espelho, a péssima letra do pai que ela bem conhecia:
“Não virei para o almoço”
Ela se sentiu aliviada, teria tempo para por as idéias em ordem, coisa que ela nunca precisava fazer antes, sempre tivera a mente tão vazia. Não sentia mais aquela paz, sentia-se inquieta com uma vontade de não se sabe o que. Mas sentia-se bem. Ligou seu rádio, a sua única conexão com o mundo já que televisão era raridade naquela cidade, e se permitiu viajar por alguns instantes, a canção por trás do chiado falava de amor, e naquele momento ela desejou ser amada.

Ela estava a cantar, cantava com a alma, cantar era sua única ligação com o mundo dos sentimentos intensos. Talvez porque sentir exigia uma profundidade muito complexa para quem desde cedo se adaptou ao vazio. Ela cantava sentimentos que não eram seus, que jamais ousara pensar na possibilidade de senti-los. Naquele momento era uma atriz explorando uma realidade que não conhecia, e explorava sem saber. Tinha uma bela voz, e também isso ela ignorava, nunca haviam te dito isso porque ninguém nunca a ouvira cantar.
Mas naquele momento de contato com sentimentos ele a ouviu. Ela de olhos fechados, pois assim os sentimentos se intensificam, não o viu chegar. Ele que chegava emburrado, ate esqueceu o motivo da birra quando a ouviu. Ficou ali parado a olhar pela janela da sala, enquanto ela cantava e dançava por entre os móveis. Quando conseguiu novamente raciocinar ele enfim conseguiu quebrar o encanto do momento:
- Você canta bem.
Uma frase tão simples pode causar sentimentos tão complexos em uma pessoa mais simples ainda. Ela ruborizou, e ficou sem jeito, não sabia ao certo o motivo. Fora pega desprevenida, num momento constrangedor, por um estranho. Mas ele já não era tão estranho assim, eles haviam se falado na noite passada, uma conversa pouco amigável. Ela havia ruborizado sim, pelo elogio que recebera e pela lembrança do sonho.
Ele ficou olhando e percebeu que ela não iria responder:
- Ei garota eu falei com você...
- O que? – ela parecia estar despertando de um transe.
- Você canta bem – repetiu ele rindo da falta de jeito dela.
- Muito engraçado. – disse ela agora realmente brava, ele havia invadido um momento intimo e ainda estava se divertindo. – já não se divertiu o bastante as minhas custas?
- Calma, olha eu não estou brincando não. – disse ele procurando palavras. – bom, mas como sei que você não vai acreditar deixa pra lá...
- Então diga o que veio fazer aqui? – disse ela tentando se recuperar, não entendia porque perdia tão facilmente a compostura perto dele.
- Eu vim falar com seu pai. – ele parecia contrariado.
- Ele não esta. – ela se domava e voltava ao seu estado neutro.
- Será que você pode me fazer uma favor?
- Sim
- Diga a ele que o sobrinho do seu Jeremias veio aqui hoje pra falar a respeito do emprego que ele me ofereceu.
- Você vai trabalhar pro meu pai? – disse ela querendo rir.
- Sim, ele ta precisando de ajudante e eu precisando de dinheiro. – disse ele emburrado. – Qual é a graça?
- Nada. Mas já lhe aviso que você com esse jeito todo, não vai se acostumar com trabalho pesado não.
- Jeito todo o que? - ele agora parecia bravo, e ao ver a cara de desapontada que ela fez sossegou. – Deixa pra lá vai, esquece.
- É só isso?
- Sim, obrigado Cecília.
- Como você sabe meu nome?
- Acho que seu pai te chamou em alto e bom tom lá na praça.
- Ah sim aquilo foi... – por mais que procurasse não encontrava palavras para expressar os sentimentos, sentir já era complicado, quanto mais explicar.
- Aquilo foi uma bobagem e as coisas que eu te disse ontem também. – ele pareceu arrependido.
- Foi tudo uma bobagem mesmo, eu sei que causei a impressão errada, mas por mais que você não acredite, aquela foi a primeira vez que fiquei conversando com aquelas garotas e a primeira vez que me vesti daquele jeito também.
Ele a olhou por inteiro, daria pra acreditar sim. Ela estava muito diferente, com uma camiseta enorme e uma calça cinza. Os cabelos desalinhados lhe caiam na face, ela não era do tipo que chamava a atenção, mas ele a admirou.
- Eu sei.
- Sabe?
- Sei, ontem eu estava tão frustrado com meus próprios problemas que não consegui te ver, digo, eu te vi, mas não da maneira correta.
- E eu não me mostrei da maneira correta.
- Podemos recomeçar.
- Podemos.
- Muito prazer meu nome é Fernando e eu sou novo aqui. – disse ele lhe estendendo a mão.
- Prazer meu nome é Cecília e eu não sou nova aqui...
Ela sorriu, um sorriso franco de quem realmente deseja sorrir, e ele correspondeu. Ficaram assim feito bobos sorrindo por um tempo. Estavam realmente cumprindo o combinado, pois se olhavam como se nunca tivessem se visto antes.

3 comentários:

  1. Claudinhaaaa... mto bom, eu estou acompanhando a história... *ger ansiosa*... kkkkk


    parabéns! bejitos...

    Gerbera - PDL

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  2. Ai que legal.......pelo menos ele não era uma besta, só estava irritado, mas é muito feio descontar nos outros.....aguradando continuação.

    *lady ansiosa tb*...... bjos Claudinhaaaaa

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  3. Ai, gentem. Amei muito essa parte! *--*
    Eles nasceram um para o outro. =]

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Olá,
Obrigado por ler e comentar!
Beijos!